Chet Baker no Carnegie Hall

A história é contada pelo trombonista Ed Byrne no site http://www.freejazzinstitute.org/.
O facto da "estória" ser contada na primeira pessoa reforça o seu significado, especialmente para todos aqueles que tocam jazz e estão habituados a ter de lidar com a imponderabilidade e imprevisto de muitas situações, musicais e não só...

"Quando se toca com uma estrela numa das mais famosas salas de concerto do mundo com a lotação esgotada, tudo pode acontecer - e muitas vezes... acontece.Chet Baker foi contactado por Creed Taylor para a realização de um grande concerto no Carnegie Hall, um concerto de come back que iria ser gravado para edição de um CD duplo e que contaria com a presença de outros nomes de cartaz como Gerry Mulligan e Stan Getz, e ainda luminárias como Roland Hanna, Ron Carter, John Scofield, Harvey Mason, Dave Samuels e Bob James. Quando todos eles chegaram aos estúdios CTI para ensaiar, imediatamente começaram a implicar uns com os outros e a trocar comentários desagradáveis e egocêntricos. Do facto de se recusarem a tocar uns com os outros e de também não ser possível fazer o concerto únicamente com o grupo habitual de Chet eu acabei por me tornar numa adição forçada á lista de músicos que iriam participar na gravação do Carnegie Hall. Posteriormente, quando Chet e eu ensaiamos o nosso melhor repertório com Bob James, Ron Carter e Harvey Mason, tudo correu lindamente. Contudo , na noite do concerto nem tudo foi perfeito. O apresentador trouxe primeiramente para o palco os sidemen anunciando , de seguida, a estrela. Com toda a banda reunida no palco, o nome de Chet é anunciado mais uma vez mas de Chet...nada. Nota-se um borborinho por trás das cortinas e percebe-se que há um problema no backsatge.Chet estava envolvido numa cena de pugilato.
Foi assim que o concerto começou. De seguida, vendo a sala apinhada de gente,inclusivamente com público a assistir, de pé, nos corredores laterais, Creed Taylor, por qualquer razão que desconheço começou a sugerir a Chet temas que não tinhamos ensaiado e que -francamente - não conheciamos. Esta era umas das fraquezas de Chet : apesar de ser o grande músico que era, Chet revelava muitas vezes, fraco poder de avaliação como leader. Esqueceu todo o set que tinhamos preparado e começou a chamar temas - em pleno palco - diferentes dos combinados e perfeitamente desconhecidos. Um desses temas era "The Thrill Is Gone" e ele contou-o num tempo de balada o mais lento que eu jamais tinha ouvido ou tocado até aí ou voltei a tocar desde então. Chet cantou a melodia enquanto eu toquei backgrounds no trombone e tudo correu bem... até ao meu solo.
O pianista Bob James, aparentemente desconfortável com o tempo, quadruplicou o ritmo harmónico ou seja tocou os acordes quatro vezes mais depressa durante o meu solo, onde eu parafraseava a melodia... no tempo inicial. Ron Carter estava perdido na harmonia e não podia ajudar. Chet, frustrado grita para Bob James (acerca de mim): "Ele está a tentar tocar uma balada!" A isto, Bob James, um produtor de sucesso com méritos firmados, encolhe os ombros com indiferença e continua o que estava a fazer. Isto enfureceu Chet que ficou vermelho-beterraba, mostrou o punho e avançou decididamente para James com a intenção de o esmurrar em palco, no Carnegie Hall, com a sala á cunha durante a gravação de um CD duplo. Eu estava no centro do palco, á frente, com Chet á minha esquerda e James á direita, pelo que ao ver o que se passava - enquanto fazia o meu solo, que estava a ser gravado - me inclinva de forma a bloquear-lhe a passagem em direcção ao pianista.

Isto prova que , por mais preparados que estejamos, sempre pode acontecer algo que nos surpreenda. É nas minúcias da música (acordes, escalas, forma, etc) que se deve centrar de forma a podermos estar livres para reagir aos músicos com quem interagimos e ao público a quem contamos a nossa "estória". Só se nos mantivermos focados e suficientemente fortes poderemos ultrapassar os obstáculos e distracções como os do incidente que acabei de descrever.

Mais tarde, ainda nessa noite Chet e eu tocamos no nosso gig regular no "Striker’s,um clube de jazz na cave de um hotel na esquina da 65th Street com a Columbus Avenue. Durante o nosso set o telefone do bar não parou de tocar, sem que o empregado atendesse, já que ele sabia que a era a namorada de Chet. Isso acontecia sempre que ela tinha conhecimento que a (legítima) esposa de Chet estava no club. Num momento de breve silêncio entre temas Chet olhou para mim e disse: "Sabes, pá, isto aqui é que é..." Ele tinha vindo do grande concerto de regresso no Carnegie Hall , em Nova York, gravado um CD duplo para uma das maiores editoras do mundo e diz-me que aquele clubezinho da treta, onde recebiamos 25 dólares por noite, "é que é" !!"

CD/Album : Gerry Mulligan/Chet Baker: Carnegie Hall Concert Vol 1&2(CTI6054-55/Epic5542)
Data de gravação: 24 de Novembro de 1974 CARNEGIE HALL-NYC :
com
Chet Baker(trompete)
Gerry Mulligan (sax baritono)
Ed Byrne(trombone)
Bob James(piano)
David Samuels(Vibrafone)
John Scofield (guitarra)
Harvey Mason (bateria)
Ron Carter (contrabaixo)

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