Kenny Garrett em Alcobaça


Criar expectativas pelo concerto a que vou assistir é uma ratoeira a que nem sempre consigo escapar.
E, dado que em palco ia estar um dos saxofonistas mais emocionantes do mundo, as minhas expectativas eram das mais altas. O último concerto dele a que assisti (Auditório Keil do Amaral, Lisboa, 2004) tinha sido um espectáculo de mestria e criatividade, de provocação e risco. Um espantoso domínio da forma, da tradição do instrumento sem (quase) nunca nos ter deixado, a nós e aos seus colegas de palco, instalar num terreno musical fácil e previsivel. . Ou seja, foi um espectáculo de uma grande consistência e maturidade. Nada do que viria a acontecer na noite e 28 de Junho, em Alcobaça.
Acompanhado por Jeff Motley (órgão), (orgão + Leslie e sintetizador), Lenny Stallworth (baixo eléctrico), Justin Brown (bat) [obrigado Ivan, pela correcção dos nomes dos músicos] Garrett usou, a maior parte do tempo, seu saxofone alto ligado a um teclado que funcionou como soundbank. Ou seja, do sax de Garrett saiu, durante grande parte do concerto, um muito mau som de sintetizador, cheio de médios, com grandes desníveis – todas as notas acima do G soavam muito mais altas em volume e com uma maior mistura de efeito do que o resto do saxofone. Calculo que essa experiência seja recente mesmo para ele, já que ao longo do primeiro tema (que durou 20 minutos) Garrett aproximou-se do teclado e foi experimentando vários timbres, para esse efeito tocando pedaços da escala (o tema era modal…), e motivos tais como o Yankee Doodle, numa postura de completa ausência e relação musical quer com a banda quer com o público e um completo desinteresse pelo rumo musical que as coisas iam tomando (ou não tomando…). Terei sido o único na sala a quem apeteceu berrar “escolher sons é em casa!” ?
Ao fim do 2º tema Garrett deixou o sintetizador descansar… e nós com ele. Finalmente iamos poder (pela primeira vez na noite) ouvir the “real thing”, aquele som escuro á volta e incandescente no centro com que Kenny Garrett costuma atear fogo aos temas.
Mas (decididamente os deuses não estavam connosco…) aquilo que deveria ser esse timbre fantástico chegava ao público também ele carregadinho de médios, completamente descolado do núcleo sonoro do resto da banda. Ou seja: tinhamos um som de banda vindo do palco com boa fidelidade e pressão sonora, bem distribuido pelo P.A da sala e um som de saxofone, demasiado médio, sem recorte e descolado do som da banda. Suspeito de que a equalização necessária para equilibrar o som do sintetizador ajudou a der cabo do som acústico do sax de Garrett. Nesta altura deu para perceber que, da noite, não iria restar boa memória. O “ensaio” foi decorrendo, já que os outros elementos do grupo denotavam pouca familiaridade com os temas e grooves que K.G. ia chamando. Em 2 temas ( e todos me soavam demasiado longos…) o saxofonista instalou-se no Fender Rhodes que tinha á sua disposição e discorreu no teclado. Um exercício de auto-indulgência com pouco interesse musical, foi assim que a mim chegou. K.G. não é pianista e a opção de utilizar o piano nada de positivo trouxe ao concerto. Sentia-se na sala (ou seria só eu?) a desilusão em que esta visita de Garrett se tinha transformado.
Eis senão quando, acabado um tema - um com um longo solo de bateria, uma daqueles funky, tão a ver? cheio de coisas rápidas, extra-decibel e final apoteótico - acabado um tema, dizia eu, Garrett tira o micro (de pinça) do seu sax e inicia um solo absoluto, á boca de palco e acústico, em que pela primeira (e última vez) na noite podemos finalmente aceder ao som intacto do sr. Garrett. E foi bonito…Estavamos todos com saudades daquele saxofone. Esses minutos quase salvaram a noite.

Mas mais duas surpresas (nada boas) vinham a caminho. Dois temas ( e seguidos) do mais puro (e mole) easy-listening dignos de um Kenny…G. Ora porra! E vim eu de longe…E com o diesel ao preço que está…Ora porra.
Só porque não estava sózinho é que não saí…E isso só tinha acontecido há muito anos, num concerto do chato do Courtney Pine quando desceu do palco e veio com o soprano, distribuir uma "coisa" oleosa para o meio do público. Dessa vez e antes que o piso ficasse escorregadio, saí.
Mas, ali, com o Kenny Garrett á frente?! E com vontade de sair? Mas o que estava a acontecer? Estavamos a ver uma “receita” em pleno funcionamento. "Já fizemos estes gajos sofrer com as nossas experiências e agora vamos dar-lhes uns doces…" Mas, ao contrário do que K.G. possa ter calculado, a plateia não entrou em êxtase com aquelas “belas melodias”. A coisa se morna estava mais morna continuou.
Mas não exagero se disser que o pior estava para vir. E dou comigo a dizer isto de um homem que eu acho um dos melhores saxofonistas do mundo, alguém original e criativo, uma voz no seu instrumento. Mas não naquela noite…
E chegou a hora do último tema. “Happy People”, claro. Tema fixe, positivo, comunicativo e bem disposto. E, é de justiça dizê-lo, o timbre do sax tinha melhorado ligeiramente lá para o fim do concerto. Esse tema sim, já o grupo o tinha ensaiado e conhecia bem, saiu fluido e com groove, público a bater palmas segundo as instruções que vinham do palco. Esqueci, por momentos, aquilo que o concerto tinha sido – uma seca.
E o tema acaba. Não... não acaba. Era só um falso final, recurso já nessa noite usado para terminar outro tema o que, inevitávelmente, faz crescer a intensidade das palmas e o ritmo cardíaco do público. Acaba agora. Também não. Mais um falso final. E dessa forma, K.G deu início á mais disparatada, prolongada e gratuita série de falsos finais da (minha) história de frequentador de concertos . Intercalados com “You want more?” e “I can’t ear you! You want more?” os falsos finais desenrolavam-se uns atrás dos outros, interminávelmente, com o público a crescer de excitação enquanto na minha cabeça começavam a passar imagens de missas da IURD ou da aeróbica dos concertos do Pedro Abrunhosa. Técnica básica de incitamento que serve para vender religiões, candidatos a presidente, fazer milagres em estádios ou “produzir” “grandes concertos”- instalar no público, a impressão de que acabou de assistir a um grande concerto. Uma reacção pavloviana . Numa palavra –“show biz” da pior espécie. Para mim, o concerto estava perdido.
E partir de uma dada altura fiquei curioso de ver até que ponto ia aquela coisa meia “apalhaçada” dos falsos finais e fiquei por ali. Mesmo assim não consegui. O delírio do público e os “I can’t ear you! You want more?” com a banda a repetir e repetir os últimos compassos do tema ultrapassava o razoável. De resto, o razoável já há muito tempo tinha sido ultrapassado. Fomos saindo. Quando entrei para o carro ainda se ouviam, ao longe os “You want some more?”

Comentários

Anónimo disse…
Olá Zimk!!!

Era só para emendar o nome dos músicos em questão...quem veio com Kenny Garrett foram:
Jeff Motley (órgão), Lenny Stallworth (baixo) e Justin Brown (bateria).

Abraço,

Ivan
zimk disse…
Obrigado Ivan, pela correcção dos nomes dos músicos.
Abraço.
zimk
psitrek disse…
Grande crónica!!! com um final pelos vistos muito infeliz... até aos melhores acontece...fazem o que podem, com o que têm, onde estão...

Obrigado por postares o momento mais feliz pelos vistos...

inté
Bem, esta crónica é genial!!!

Assisti uma vez a um concerto do Don Byron que foi do mesmo género. Entra em palco de boné com o tenor na mão e o clarinete noutra. Faz uma espécie de ameaça (muito diferente de convite) quem não gostar de ...[voz entaramelada da ganza] vai ter uma má noite. Apercebi me q era o nome de um saxofonista, mas n percebi qual. (Brinco, era o Lester Young, mas olhem que n foi fácil:) )

Tocou de chapéu metade do concerto, com grande ar de frete, sentado num banco alto, daqueles de bar, soprando displicentemente, sem som (não me venham dizer q aquilo era subtone, ah, pois), sem tesão sem nada. É aquilo a q é uso denominar por : esteve-se a cagar!

Os solos ficavam inconclusos parava, resmungava qq coisa,..enfim.

De louvar o pianista George Colligan que nunca deixou de tocar a sério e bem, mesmo com os disparates do senhor byron.

Don Byron "Ivey Divey Trio"

Don Byron (clarinete, saxofone tenor), George Colligan(piano) e Ben Perowsky (bateria).