É reconfortante, tranquilizador até, encontrar no trabalho de quem admiramos, pequenos erros que nos ajudam a confirmar a natureza humana e falível de gente que, quando a luz bate sobre determinado angulo, nos parecem "out of this world" como seja o caso de Michael Brecker.
Um super-músico de quem todos temos saudades, mas felizmente para nós, pobres aprendizes, um músico que também cometia erros.
Aparece aqui á frente de uma big band da qual Seamus Blake é o 1º tenor. O tema é "Goodbye Pork Pie Hat", habitualmente tocado em F- .
Brecker está aqui a tocá-lo um tom abaixo, em Eb - ou seja, está a lêr directamente de uma partitura de um real book em C, provavelmente. Seamus não recorre á pauta. Provavelmente toca o tema regularmente com a big band em questão.
A seguir ao óptimo solo de Brecker ,Blake improvisa com um conhecimento perfeito das possibilidades harmónicas do tema, com interessante voice leading, oferecendo-nos um pequeno manual de approaches a F- ao longo de uma curva de desenvolvimento de solo realmente emocionante.
Mas voltemos a Brecker e ao seu solo .
No primeiro chorus, ao minuto 4.16, Brecker confunde Db7 com D-7 (na tonalidade do sax tenor) e toca inteirinho este arpejo descendo da terceira e acabando na 7ª MAIOR (de Db7) ...Oouch!!! (some laughs from the guys!!)
Surpreendido pelo erro, Brecker inclina-se em direcção á partitura para verificar o acorde. Deve ter percebido então que confundiu um sinal de "bemol" por um sinal "-" , de menor.
Óbviamente irrelevante este e quaisquer outros erros que Brecker pudesse cometer, dá-nos, isso sim, uma pequena "janela" de acesso á forma de pensar e produzir música de Brecker. Quanta da acção e pensamento no acto de improvisar são ditados pelo contexto sonoro? e pela partitura? Qual o grau de pré-audição de uma frase improvisada? Quanta música produzimos ditada pelo ouvido? e pela visão dos sinais gráficos que os acordes representam?
Seguramente poderemos aprender tanto - ou mais - com os erros dos nossos heróis do que com as suas notas "boas".
E por falar em "baldas".
Há uma balda no solo de Coltrane no tema "Bahia", no disco do mesmo nome. Conseguem detectar que balda e QUEM se balda :-) ?
E os meus (dois...) leitores? Também descobriram erros nos solos dos vossos heróis do saxofone? Partilhem.
Comentários
Gandhi
Vou investigar as "baldas"... depois digo qualquer coisa. Se houver para dizer, à partida eles são todos perfeitos, hipnotizam-nos com "malhas" vertiginosas deixando-nos sem palavras. Para mim, está aí a fonte da minha persistência, conseguir criar não as "malhas " dos meus heróis, mas sim as do herói que eu criei dentro de mim.
Inté
Francisco
Esta gravação fez-me ver os "digital patterns" com outros olhos e o quanto importantes são para a consistência de um bom solo.
Aconselho vivamente esta gravação que para além do "Giant Steps" tem outros temas como "Naima"...etc (descubram...)
Não é bem num solo...mas não deixa de ser meio tomzinho ao lado...(1:01)..e ele tentou resolver rápidamente a questão...mas expressão do Joey Baron diz tudo...
Mas o que disse o Francisco acontece bastante...hipnotizam-nos nos solos que depois (pelo menos eu) mal consigo reconhecer certas coisas como baldas...
Tiago
Cumprimentos
João Pedro